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"EU GOSTO DE PARIS, MAS NÃO SEI SE PARIS GOSTA DE MIM” SOBRE SE ADAPTAR À UMA NOVA CULTURA

Atualizado: 30 de dez. de 2022

Na série Emily em Paris o processo de adaptação cultural e os desafios inerentes a ela são evidenciados em todos os episódios. Entender esse processo é muito importante para todos que moram ou querem morar fora do Brasil, seja para estudar fora, ter uma carreira internacional ou encontrar mais qualidade de vida. O objetivo deste artigo é falar sobre o processo de adaptação cultural.


A migração é um acontecimento sociológico, inscrito em um contexto histórico e político, que traz diversas consequências para os sujeitos. As razões que levam ao indivíduo optar pela migração são diversas, mas podemos concordar que em todos os casos é um ato de coragem que influencia a vida dos indivíduos em todos os âmbitos e ressignifica toda a sua história familiar.

Este ato de coragem é vivido pelos indivíduos de forma ambivalente: desejo de partir e medo de abandonar a família, desejo de independência e de manter os laços, modo de resolução de conflitos familiares, pessoais e profissionais e etc. Tendo em vista que cada sistema cultural engloba uma língua, um sistema de parentesco, um corpo de técnicas e modos de fazer, a culinária, as artes, as técnicas de cuidado… Adaptar-se significa ajustar a uma nova cultura diferente da sua. E então aparece a pergunta: Como se adaptar?


Segundo os dados oficiais da OCDE mostram em 2019 havia cerca de 271 milhões de pessoas vivendo fora de seu país de nascimento em todo o mundo. Os últimos dados disponíveis indicam um aumento significativo nos fluxos globais de migração para os países do G20 em 2019, com cerca de 12,5 milhões de novos imigrantes temporários e permanentes. Isso representa um aumento de 10% em comparação com o ano anterior. Em meados de 2020, a população global de refugiados atingiu 26,3 milhões, aumentando em quase um quarto de milhões de refugiados desde o número recorde alcançado no final de 2019.


Impactos da migração na identidade

A migração provoca um impacto decisivo no ciclo vital da família tendo as mais variadas consequências, tanto em termo do comportamento individual de seus integrantes, afetando o processo saúde-doença, como em termos da configuração das relações, principalmente ressignificando-as, gerando novas referências de ação e comunicação entre os membros de um sistema familiar.


O contexto em que os estudos e discussões sobre a modernidade desses impactos tem surgido é o dos novos nomadismos e das redefinições das identidades territoriais. Uma das possibilidades da globalização é o trabalho online, onde é possível estar em qualquer lugar desde que tenha contato com a internet. Assim, surgiu o novo modelo de nomadismo e que abre diversas possibilidades e oportunidades: nomadismo digital, o qual se refere a liberdade geográfica de trabalhar de forma online e estar onde quiser.


Segundo BJ Casey, psicóloga americana com pós-doutorado em Psicologia do Desenvolvimento, não há lugar sem homem nem homem sem lugar. Esta afirmação revela a compreensão da indissociação do homem e o seu lugar no espaço, ou seja existe uma indissociabilidade ser-lugar, homem-espaço e os lugares em que o indivíduo viveu ou vive são responsáveis pela constituição de sua maneira de ser. Isso acontece por meio da percepção, da sensação, cognição, da cultura e imaginação, que essa relação espaço-homem se constitui.

Somos nossos lugares, assim como eles nos são. Não estamos no espaço: somos sendo espacialmente. (HEIDEGGER, 2001).

O conceito de biculturalismo é apontado pela autora Rouse (1992) como a possibilidade de lidar com as duas culturas sem necessariamente ter que renunciar a uma, levando em consideração o temor de renunciar e como consequência perder sua identidade. Muitas das dificuldades vivenciadas pelos imigrantes é esta dualidade.


Assim, entre os fatores de encorajamento, a identificação com o lugar é crucial. O estabelecimento de laços e a sensação de pertencimento ocorrem em um lugar cujas características sociais, culturais e a organização espacial não sejam de todo desconhecidas. É o chamado envolvimento com o lugar. Para a psicologia ambiental, o processo de envolvimento com o lugar implica pelo menos mais dois aspectos:

  1. Dependência do lugar: se refere às vantagens comparativas do lugar, o que tem ali que não tem em outros lugares;

  2. Identidade com o lugar: expressa as características do lugar com as quais a pessoa se identifica, vendo-se nele.

Assim, estes fatores são fundamentais para ajudar a promover o envolvimento e identificação deste novo lugar como sua casa e seu lar.


Indicação: Série Emily em paris


Emily é norte-americana, da cidade de Chicago, a qual ela tem muito orgulho e menciona sua cidade a todo momento, como também utiliza de comparações desta com Paris. Especialista em marketing, especificamente na área de mídia social, ela recebe a oportunidade de trabalhar em Paris para substituir a sua chefe, que precisou cancelar a viagem por estar grávida. Assim, por já estar esperando e desejando crescer profissionalmente, ela não hesita em aceitar o convite e embarca ansiosamente para a França. E adivinha? Tudo acontece tão rápido que ela nem se preocupa em aprender o idioma francês (em um próximo artigo vamos falar sobre como você pode está se boicotando para aprender um novo idioma).

Ao desembarcar, a série inicia a exploração das expectativas de Emily, suas experiências e os costumes, estereótipos e personalidades de ambas as culturas, estadunidenses e franceses. A missão de Emily é levar uma perspectiva “americana” à empresa em que vai trabalhar, mas suas ideias, dificuldades com a língua francesa e costumes não são bem aceitas pelos colegas de trabalho.


Uma das suas reclamações é sobre estar se dedicando a gostar de Paris, mas que as pessoas e os costumes de lá parecem não colaborar com ela. Ao assistir a série, fica claro que há uma dificuldade de Emily em reconhecer e respeitar o valor da nova cultura.


Na série você consegue identificar o modelo criado por Kalvero Oberg, chamado de “Curva de U”, no qual descreve-se os altos e baixos emocionais que ocorrem nesse período de adaptação cultural. É nítido que Emily passa pelas fases de “lua de mel”, choque cultural e por fim uma perspectiva mais positiva e confortável da nova cultura a qual está inserida. Além disso, ao assistir a série, você também conseguirá identificar os 03 momentos de adaptação descritos abaixo:

  1. Stress e Enfrentamento: As vivências afetivas são intensas devido ao luto quanto a vida que está sendo deixada para trás, ao choque cultural inicial, ao stress de aculturação (mudança que acontece em um indivíduo ou em uma sociedade por serem expostos a uma cultura diferente por um longo período de tempo) e ao enfrentamento de desafios antes desconhecidos. O modelo de adaptação e crescimento pelo Stress, de Young Yun Kim (2004), afirma que a adaptação cultural e crescimento pessoal acontece de forma espiral, onde os desafios e estresse enfrentados leva o sujeito para um crescimento e adaptação gradualmente, como um processo contínuo onde toda crise leva a nova aprendizagem.

  2. Aprendizagem da Cultura: Aqui falamos da aquisição de conhecimentos e habilidades sociais necessárias para ser bem-sucedido na nova cultura, por exemplo, fluência no idioma e compreensão das regras sociais implícitas. Assim, quanto mais tempo o indivíduo passa ali, mais ele incorpora aspectos dessa cultura em seus comportamentos e visão de mundo.

  3. Identificação Social: mudança na estrutura cognitiva, em como as pessoas se percebem em questões individuais, culturais e sociais. É um processo influenciado pela postura da cultura local frente a pessoas de fora e resulta em integração, assimilação, separação ou marginalização do novo integrante. Quando os indivíduos desejam contato com outros seres dessa cultura mas não atribuem muita importância à manutenção desta, seguem a estratégia de assimilação. Quando buscam interação, mas também desejam manter sua identidade cultural, é utilizada a estratégia de integração. Se não houver interesse em entrar em contato com pessoas fora de seu próprio grupo e as pessoas colocarem um valor na manutenção apenas de sua cultura, a estratégia é chamada de separação. A marginalização representa a estratégia de não buscar a interação intercultural nem a manutenção cultural.


Todos esses processos descritos nesse artigo podem não ser vividos de maneira linear e foram descritos assim apenas para ser mais didático.


Você está vivendo um processo de adaptação cultural? Consegue identificar o que descrevi no seu processo? Conversar sobre isso com um profissional pode ser a fonte de acolhimento e afeto necessária para atravessar esse momento. Conte comigo nessa caminhada, agende agora a sua sessão. Escrito por: Beatriz Zanetti (CRP - 01/19319) - Psicóloga pela Universidade de Brasília e Mestre em Educação para Carreira pela Universidade Livre de Bruxelas. Dedica-se a auxiliar quem vive os desafios de mudanças geográficas e profissionais. Atendimentos em português, inglês e francês.

Stephanie Marques - Graduanda em Psicologia pelo Centro Universitário IESB. Entusiasmada em aprender sobre o ser humano e o mundo, vê a escrita e a leitura como formas de disseminar o conhecimento.

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